quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Segurança x mudança


Determinadas situações nos despertam internamente e transformam de forma irrevogável. Uma dessas aconteceu quando voltava de Sri Lanka para Pune (índia) e me vi sozinha dentro de um táxi velho e imundo, com um motorista no mínimo estranho, num país distante e a noite. Além do cansaço da viagem que já seria o suficiente para me fazer vulnerável, o calor sufocante e a imensa quantidade de poeira ao meu redor criaram a atmosfera perfeita para o que se aproximou de total pânico. Uma mulher estrangeira, num lugar onde culturalmente ser mulher e ser nada é a mesma coisa, incapaz de se fazer entender e absolutamente sem noção de onde estava ou se estava no lugar certo, dependendo de um homem desconhecido numa estrada erma e escura... Imersa numa profunda consciência da possibilidade real de perigo e da óbvia falta de algo que me desse alguma proteção, lembro de ter pensado que nem meu magro corpinho seria achado em caso de tragédia. Doeu imaginar minha família totalmente sem noção do que poderia ter acontecido ou como ou onde procurar por mim. É bem interessante observar como nossa mente tenta elaborar conceitos para lidar com o desconhecido. Durante mais ou menos seis horas de viagem, pude ver minha racionalidade explodindo com idéias distintas numa velocidade exaustiva e sempre chegando a mesma conclusão do nada mais a fazer além de rezar pelo melhor. E foi nessa jornada através do medo que algo despertou... Uma sensação de entrega e confiança. O que fazer quando somos confrontados com o que é muito maior do que nós e se mostra absolutamente fora de nosso controle? Como lidar com nossa insignificância e impotência? O que podemos aprender nas horas em que a mais aguçada inteligência se mostra totalmente supérflua?
Na minha experiência, todos os momentos importantes acontecem nessa atmosfera impactante. Não há como ser diferente. Viver é se colocar constantemente em situações imprevistas. Não importa quanto tentemos nos proteger, o crescimento só se dá através do acréscimo do saber vivenciado. Ainda que pudéssemos ler toda a literatura disponível sobre qualquer coisa, certamente não estaríamos preparados para a sensação dos joelhos trêmulos, coração disparado, suor nas mãos e aquela burrice apatetada que a novidade costuma trazer. O desconforto do inusitado é primordial para nossa evolução. Creio que são esses momentos de “branco mental” que acordam nossos sentidos superiores e nos mostram o que de fato somos, ou seja, indivíduos diferenciados que precisam se descobrir além das regras gerais. Pontos em comum apenas indicam o cenário, mas cada um precisa escrever sua própria história e como nos mitos e contos de fadas, passar pelos perigos e desafios que temperam a jornada e embelezam o ser.
Lutar pela comodidade do conhecido nos mantém infantis e nos priva da alegria da superação. Viver apenas nas variações de preto e branco pode ser menos doloroso, mas qual é o sentido em abrir mão do arco íris?
Estranhamente nascemos disponíveis para esse perpetuo movimento de descoberta. Somos curiosos e destemidos por natureza, mas aprendemos o conceito do medo e como adultos caminhamos esquecidos dessa bravura inata. Tentamos racionalizar nosso instinto de aventura, criar estruturas defensivas e nos convencer que de algum modo poderemos driblar os chamados desafiadores da vida. Enganados e emparedados, inconscientemente atraímos o que tentamos desesperadamente evitar: a dor de crescer. Resistindo a renovação, presenteados somos com energias intensas o suficiente para destruir o seguro e nos obrigar a acordar. Não estamos aqui para caminhar sonolentos e desconectados. Somos seres preenchidos com a centelha divina que precisa voltar a brilhar. Uma sabedoria mágica sempre nos impulsionará para a realização do potencial único que aguarda latente em nosso coração. Quanto mais disponíveis nos colocamos frente ao novo, mais percebemos quão desnecessário é temer. Abertos e confiantes atraímos as pessoas, lugares e situações que facilitam e nutrem nosso ser. Uma harmonia inexplicável acontece despertando forças que pensávamos não possuir. E mesmo que nos deixemos levar momentaneamente por apegos e dúvidas, descobrimos que tudo passa e que eternidade só acontece na profundidade da entrega, no mergulho confiante e na consciência além do questionamento racional.
Segurança é saber que as mudanças não são inimigas potencias. Ao contrário, aceitar a necessidade desse processo de alterações constantes é se realizar como pessoa, amadurecer como ser e finalmente receber a recompensa de respirar profundamente no relaxamento de ser livre e eterno.

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