domingo, 3 de outubro de 2010

Perdas


Há 14 anos atrás, neste mesmo dia, disse adeus para minha mãe. Foi, sem sombra de dúvida, o momento mais doloroso da minha vida. Não só pela surpresa de seu falecimento, mas também pela sensação de que seria impossível sobreviver. Não que fosse uma criança que ainda dependesse de cuidados maternos. Apenas uma mulher com laços apertados e meio doentios com essa figura forte e passional que representava o colo, a confidência, a honestidade e certamente o maior referencial de busca pela felicidade.
Por motivos mágicos, essa é a primeira vez que enfrento o dia completamente sozinha. E me surpreendo leve. Sem dores ou saudades. Apenas uma consciência generosa da força que tive que encontrar para caminhar sem amparo. Percebo agora que durante muito tempo, apenas me mantive guardada e segura, fechada para os movimentos da vida. Reconheço os períodos de ensaio de retorno e das escapulidas da prisão auto imposta que supostamente me manteve distante de dores imaginadas. Escondida numa postura defensiva tentei manter o controle do que atingia meu coração e felizmente fracassei em grande estilo.
De formas inesperadas e compassivas, pessoas foram se aproximando e feridas foram se tornando superficiais. Muitas experiências ardidas também fizeram parte desse processo, afinal teimosia frente às mudanças exige um empenho maior da existência para nos acordar. Perdi o fôlego incontáveis vezes. Encolhi, escondi, lutei, reclamei, fugi, até cair. E como do chão ninguém passa, levantei, limpei, sacudi, e andei. Devagar, envolvida por um medo paralisante, encostada em qualquer possível apoio, vigilante e desesperadoramente sozinha, fui recobrando a vontade de viver. Reaprendi proximidade, resgatei confiança nos outros e em mim.
E posso afirmar que anjos realmente existem. Não com asas, etéreos e superiores. Apenas, seres humanamente simples que surgem sem motivo aparente e oferecem compreensão. Pessoas capazes de ver o que é real, respeitar e acolher. Foram muitas almas generosas trazendo a lembrança de que a vida continua e que não estou, de fato, só. Não dá para descrever o tamanho da gratidão que sinto quando penso nisso. Desconhecidos que passaram deixando marcas embora sejam hoje apenas memórias sem nomes. Conhecidos crescidos em amizade e que se tornaram família escolhida. E tantos outros, que de maneiras diversas, aparecem em ciclos de idas e vindas sempre na hora certa.
Há 14 anos atrás, morri como filha. Hoje, renasço como aprendiz eterna. Foi um longo caminho. Tive que enfrentar minha criança abandonada e perdida, a insegurança da mulher que ainda não se sentia pronta e a sensação de ser pessoa despedaçada e fragmentada pelo sofrimento que parecia não teria fim.
Certamente não atingi a iluminação... Bem que gostaria! O crescimento continua. Mas, lembrar que sobrevivi, que fui amparada, que acreditei, que reaprendi a receber e que me dei o direito de voltar a viver, traz um conforto imenso... um orgulho humilde... uma vontade apaixonada.
A vida continua e é mágica. Que seja uma prece de amor e que se perpetue na experiência diária de ser imperfeitamente viva.

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