sábado, 19 de março de 2011

O livro das Atitudes - Capítulo I


A experiência de singularidade
Aqui encontramos exatamente as qualidades, as características e o modo específico com os quais uma pessoa se separa, se individualiza, se discrimina do vácuo, do confuso, do outro. De tudo que não seja ela. Para que encontre tudo aquilo que a torne um setor individual, tem que começar por separar daquilo que não seja ela: “Isso sou eu... isso é o outro... eu não sou isso, eu não faço assim...”
Todo ser humano já tem que começar a recortar sua individualidade e se diferenciar de imediato do resto à sua volta. Isto é o que o torna singular. Nesta experiência tudo que denota e aponta para aquilo que se sobressai no indivíduo, o imediatamente à mostra de fácil reconhecimento, deve ser valorizado, mostrado e ressaltado. Como uma etiqueta em uma caixa, o nome do produto numa prateleira, a marca em uma embalagem. É algo que se nomeia, inscrito de forma a permitir uma fácil leitura. Algo que não se esconde, não mostra o conteúdo dentro da caixa – o produto – e sim o nomeia por fora.
Então, neste campo de experiência, para obter êxito e um bom desempenho da personalidade, é fundamental que o indivíduo reconheça a sua singularidade e atue segundo ela. Deve ser explícito. Aqui não tem nada a esconder (ainda).
Nesse estágio da personalidade, quanto mais aparentar e manifestar-se, quanto mais visível, mais correto estará. Todos os comportamentos que permitem a expressão clara e explícita da Individualidade são acertados. Todos os procedimentos que a inibam são incorretos. Se mudarmos a etiqueta da embalagem, confundindo assim o consumidor, teremos um problema grave de imagem: aparentar alguma coisa muito diferente do que se é.
Deveríamos ter já uma certa noção de quem se vai encontrar, ao nos depararmos com alguém. Esta é uma área de experiência que tem a ver com a imagem do individuo.
É a primeira coisa que ele mostra, de fora para dentro, e a última, de dentro para fora. Por exemplo, se você está em uma torcida de futebol e vestindo a camisa do Flamengo, está mostrando que é um torcedor desse time. Não está ali para enganar ninguém. É facilmente percebido e visivelmente identificado por isso. Agora, se você veste a camisa do Vasco mas é realmente torcedor do Fluminense, e está sentado na torcida do Botafogo no jogo Olaria e Corinthians, esperando que no fundo os outros percebam quem você realmente é, simplesmente você não será identificado. A menos que haja um vidente na torcida!
Temos neste caso um problema de imagem – que não revela, não corresponde, não se alinha com o resto da personalidade – e todas as conseqüências decorrentes disto, como, por exemplo, passar por uma pessoa que não se é, ser mal interpretado, receber respostas frustrantes e inadequadas para as suas ações ou, ainda, passar despercebido.
Não só é importante ser identificado e reconhecido como também é necessário, justo e correto ser percebido. Notado. Se acontece, por exemplo, de irmos cem vezes ao mesmo lugar e ninguém sabe o nosso nome, quem somos ou se estivemos lá, nesta área de experiência não é uma qualidade.
Todo mundo tem uma aparência e uma imagem cuja função é mostrar e refletir algo. Caso fosse suprimida essa embalagem, seria muito mais difícil identificar a pessoa. Tudo que salta aos olhos é que nos faz reconhecer alguém de imediato e notar sua presença. Esta impressão não pode ser algo insignificante. Se o fosse, a pessoa passaria despercebida em meio ao papel de parede, ao tecido da cortina e incógnita em meio a outras pessoas.
Misturar não é uma boa conduta para este estágio de personalidade, onde estamos afirmando a singularidade: “Desculpe, eu não vi que estava aí. Você chegou tão caladinha que nem percebi.” Se isso ocorre frequentemente com você, deve fazer um exame sério para ver o que está acontecendo.
Como no exemplo dos produtos na prateleira que dei no início do livro, sem singularidade, é como se fosse um vidro de mertiolate guardado em uma caixa de antiácidos.
Só por engano, uma pessoa ou uma situação que poderia lhe beneficiar o achariam. Eu diria que você está enganando o próprio destino. Ele está à sua procura, mas não o encontra porque não sabe onde você está escondido. Estamos diante de um problema que chamamos falta de impressão.
A primeira atitude – chave para esse campo de experiência é a transparência: não se esconde o que se veio mostrar.
A segunda é a singularidade: não se imita algo que é para ser próprio e pessoal.
As faculdades da alma afins com a Experiência de Singularidade e Separatividade têm a ver com clareza, transparência e consciência de si.
Assumir riscos por si mesmo é algo próprio e adequado. Ser o que se é, assumir quem se é. Falar por si mesmo. Saber de si. Saber distinguir-se de todo o resto que não seja você: “Esse não é como aquele, cada um é do seu jeito.”
Todos esses preceitos são próprios e acertados para um bom desempenho.
Idealmente deveríamos possuir a tonicidade que uma imagem vigorosa sempre emite. É isso que defende a nossa integridade física e territorial e impede que o galo do vizinho cante no nosso galinheiro. A falta de tal atitude faz com que sejamos, desrespeitados, porque não somos temidos e, em última instância, podemos ser de fato atacados e agredidos.
Um comportamento equivocado pode despertar algo de sádico no outro.
Marcar posição, delimitar e salvaguardar o espaço do “eu”, do que lhe é próprio. A autodefesa, inclusive física, a defesa territorial do “eu” e do espaço vital também são atitudes acertadas.
A autoridade sobre si mesmo e a automotivação são sentimentos que estimulam a atitude ideal nesse campo. Representam as condições ideais para se promover o processo de individualização tão caro à realização da singularidade.
Vigorosamente, autenticamente, espontaneamente, enfaticamente, expressivamente, transparentemente são advérbios que casam muito bem com as atitudes próprias desta área. Trata-se também de uma perfeita ressonância entre forma e conteúdo.
Ambigüidade, disfarce, artifícios, duplas mensagens são atitudes que devem ser descartadas, para não comprometer um bom rendimento.
Os significados que descrevem essas experiências pedem o mapeamento de energias ativas, dinâmicas e motivadoras. Não cabe, em relação à marca de singularidade, um temperamento apático, desinteressado, desmotivado, indiferente, ou seja, indiferenciado. Não se pode ser  qualquer coisa, ter uma atitude de “tanto faz para mim ser uma coisa ou outra”, “eu serei o que for melhor para alguém, ou o que Deus quiser.” Ao contrário, você deve pensar: não, esta área me pertence, diz respeito somente a mim e preciso desenvolvê-la até o ponto de singularizar as características próprias do meu eu. Enfatizá-las e expressá-las energicamente, até não confundi-las com mais nada e com mais ninguém. Aqui, tenho um eu e direito a ele.
Faça investimento em si próprio, automotive-se, atue na área que diz respeito à sua própria e à sua própria vida. Esta é a atitude adequada.
Tudo aquilo que lhe diz respeito, e só a você, não pode ser feito a não ser por você. Note que quando pedimos para alguém fazer algo por nós, em nosso lugar, sendo isso do nosso interesse e benefício pessoal, por mais que o outro se esforce, o empenho não será o mesmo. A energia, a qualidade da energia não será a mesma. O retorno, o índice de acertos não será o mesmo. A energia, o esforço, a atenção que dispenso às coisas que me dizem respeito não serão os mesmos em relação àquilo que diz respeito ao outro.
Não se trata de egoísmo. É assim que funciona. A energia do “eu” é bastante problemática, pois quem deveria estar empenhado para realizar as coisas é o eu, e não o outro. Você vai sempre se empenhar para que seus próprios interesses venham em primeiro lugar e vai colocar sua energia mais vigorosa e ativa nisto. Não tem a mesma força fazer para o outro o que só interessa ao outro. Um eu passivo, ausente, desinvestido das questões que dizem respeito a si próprio não vai funcionar.
É desumano pedir, esperar ou cobrar de alguém que tire de si – do espaço que lhe cabe ao auto investimento – uma cota para o desempenho que cabe ao outro executar, como se fosse o outro. Acabamos exaurindo a pessoa que está fazendo isso e não nos beneficiamos. Tiramos do outro e não levamos nada! E isso é uma lei, é desperdício da economia energética: “quero que você faça o esforço por mim, que não sou capaz de fazer por mim, com as qualidades e características que você usa para si.” Isso não existe!
Não precisamos ter medo de com isso nos tornarmos egoístas e individualistas. Nem estou aqui defendendo esta tese. Haverá muitas outras áreas da vida onde colaboração, altruísmo e doação serão virtudes exemplares, mas não nesse momento. Agora precisamos de um eu.
Independência é outro grande atributo das experiências desse setor da personalidade. Ser independente dos outros, independente das circunstâncias, independente do que se passa à minha volta. Independente do externo a mim. Independente disto tudo, tem o eu! Este não pode estar permanentemente refém das circunstâncias e do externo a ele. E muito menos ser confundido com isto. Há que se ter o mínimo de autonomia!
Independência significa estar fora, um pouco deslocado do ambiente e das circunstâncias nas quais estamos inscritos. Quando se consegue recortar esse eu, deslocando-o de uma determinada situação, está se caminhando para um bom desenvolvimento da personalidade nesse setor. Por exemplo, fulano brigou comigo... mas, eu não tive culpa... não provoquei o que aconteceu e não sou responsável pelo estado de espírito dele. Foi algo que aconteceu comigo, mas independe de mim.
Estou procurando emprego e o mercado de trabalho está nesse momento recessivo. Isso pessoalmente em nada me desabona. Independente da atual condição do mercado – externo a mim – mantenho as minhas qualidades e as mesmas características profissionais. Eu sou hoje a mesma pessoa de ontem... mesmo que “pego” por uma demissão. Certa vez o ator Anthony Quinn fez uma deliciosa piada a este respeito quando em seu livro Tango Solo escreveu: “... os bons papéis não me encontravam por motivos próprios deles”.
A capacidade de me auto – referenciar, a qual discrimina as coisas que dependem só de mim mesmo, do meu eu, das minhas qualidades, da minha atenção, é uma boa indicação de uma atitude correta nesta área de experiência. No que concerne a mim mesmo, isso é, àquilo cujo retorno vier a beneficiar ou prejudicar só a mim mesmo, o aconselhável – o que aumenta o índice de acertos – é não consultar ninguém, mas ouvir a si mesmo, auto – referenciar-se!
Por mais que o outro me aconselhe, vai sempre falar por ele, porém o risco tem que ser só meu. Não posso fazer algo por mim com base no que o outro faz ou deixa de fazer por si. Não é hora de se unir, mas de separar-se, distinguir-se. Situações anuladoras ou dissipadoras do “Eu” não são muito favoráveis nesse Estágio.
O corpo físico vai funcionar como um suporte importante à personalidade neste campo de experiência. Um corpo físico fraco, doente, debilitado, desgastado, pode não ser competente para levar a cabo todo o processo de afirmação da individualidade. Há que se ter vigor, energia, vitalidade e saúde para se expor e para garantir a marca de individualidade da personalidade. Ninguém é obrigado a ser belo, atraente, sedutor para resolver bem este campo de experiência. Mas tem que se ter luz, ser capaz de irradiar alguma energia, algum vigor, algum carisma, e de cuidar e zelar pela sobrevivência deste corpo que sustenta o eu.
Há que se poder olhar para uma pessoa e perceber que mora alguém ali.
Tudo que se faz por si mesmo, do seu próprio jeito, em sintonia consigo mesmo, anuncia, clareia aquilo que se é, irradiando, brilhando e iluminando. Ninguém murcha ou fenece realizando o processo de ser o que se é, de ir em direção à própria individualidade, contando consigo mesmo, assumindo seus próprios riscos, defendendo seus passos de atuação de forma independente. Ninguém se exaure energeticamente ou se enfraquece porque se assumiu diante da própria vida e correu os riscos para afirmar sua própria personalidade. O resultado pode até não dar certo, mas o “eu” sai revigorado, e a auto estima, fortalecida. É assim que se realiza a experiência que corresponde a essa área da vida, promovendo o desenvolvimento da personalidade e aumentando os índices de acertos nesse setor.
Eu espero que as coisas aconteçam, que os outros se lembrem de mim, que as circunstâncias melhorem, que alguém faça por mim a cota que me cabe fazer. Não me importo que alguém invada o meu território pessoal, decida por mim, mande em mim e diga o que é bom para mim. Não ligo para aquilo que me diz respeito e me inclui. Eu não me importo de não ser eu mesma e de fazer de conta que sou outra. Eu espero que, por mágica, aconteça algo que cabia a mim fazer.”
Essas são atitudes que não colaboram para o exercício da singularidade.
O exercício da singularidade é a fração da vida que cabe ao indivíduo fazer, está sob sua jurisdição, depende de sua autonomia, livre arbítrio e independência.
Cuidados e asseguramento do corpo, decisão pessoal, consultar a si mesmo e vontade própria são atitudes adequadas nesse caso. E é bom mesmo ter bastante vontade, pois é dela que vai precisar para fazer tudo o que depende só de você. Você não pode ter vontade pelo outro, e nem o outro pode ajudá-lo com toda a vontade dele, se o que falta é a sua.
Igualar-se, comparar-se, anular-se, negar-se, imitar, ver a si mesmo pelos olhos dos outros são atitudes que não contribuem para um bom desenvolvimento desta experiência.
Uma pessoa que não se identifica consigo mesma está o tempo todo tentando colar na identidade alheia, está bem longe das atitudes indicadas para essa área.
“Preciso assumir as qualidades que me tornam singular e torná-las luminosas até que fiquem visíveis, salientes, transparentes. Até que qualquer um as veja. Sou isso, tenho autoridade sobre isso. Sou claro a respeito disso, é isso que me torna a pessoa particular que eu sou.”
O “eu” não é o que acontece a ele, não é o outro, não é o que está fora dele. Uma pessoa com um bom desenvolvimento da personalidade neste estágio sabe separar tudo o que acontece a ela do que ela é, não se identificando aleatoriamente com tudo o que se passa a sua volta.
Um “eu” bem recortado também é capaz de identificar quando a responsabilidade do que lhe acontece é resultado de uma ação sua e lhe diz respeito. Aquele cuja “culpa” do que lhe acontece nunca é sua, também tem um mau desempenho nesta área de experiência.
Quando ficamos profundamente afetados o tempo todo com as coisas que nos acontecem, com as pessoas com as quais lidamos, estamos caindo num problema de identificação excessiva. Se você acha que tudo diz respeito a você ou que o que os outros fazem tem a ver pessoalmente com você, esse comportamento pode desencadear problemas persecutórios na personalidade e há indícios de má formação no processo de singularidade.
Personalidades que se justificam o tempo todo sobre tudo o que lhes acontece, sempre se eximindo da responsabilidade, também têm um problema de desenvolvimento da personalidade neste estágio. Superestimar ou subestimar os passos do “eu”, fazer pelos outros o que não se faz por si mesmo, culpar os outros pelas próprias falhas, delegar a terceiros o que é de sua competência são atitudes problemáticas para essa área.
Aqui é hora do solo e não da banda. Assim você vai conhecer o seu limite, o seu jeito, o que lhe agrada, o seu modo de ver as coisas. Atitudes enérgicas para consigo mesmo, firmes, desafiadoras, são as indicadas. Dizer a si mesmo que deve fazer, exercer autoridade sobre si, comando próprio, também são apropriados.
Ser fraco consigo mesmo e energético com o outro é uma completa troca de papéis. Emprestar a sua força sistematicamente para os outros e sonegar esta mesma força para si, é um dos piores boicotes que se pode cometer contra a meta da singularidade.
Não saber reconhecer que há algo que você pode fazer diante de alguma situação – quando há – é um sinal de baixo exercício de singularidade. A afirmação “Tudo nos falta quando nos faltamos” de Goethe pode ser bem inspiradora para o que estamos fazendo aqui.
Carecer de motivação própria e energia para a realização dos seus desejos, a não ser que alguém lhe dê isso, é outro sinal de que as coisas não vão bem nessa área. Já são raras as situações da vida em que temos poder de escolha, capacidade de decisão e espaço para atuar sobre os resultados; abrir mão disto é um crime contra a própria personalidade e gera um grande vazio existencial.
Ver a si mesmo pelo olhar do outro ou ver o outro a partir de si mesmo, é uma prova contundente de um “eu” mal individualizado. Se uma pessoa não tem uma individualidade bem marcada, não é nada em parte alguma, e projeta no outro aquilo que ela não é ou não pode ser.
(Marcia Mattos)

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