
Outro dia partilhei a dor de um amigo. Assisti seu desespero meio impotente frente a um momento difícil de uma relação. Ouvi questionamentos doídos, esperanças persistentes e um anseio genuíno pela completude que só o amor pode realizar. E achei que tinha tirado de letra. No meu trabalho é freqüente partilhar momentos de explosões emocionais desse tipo. Mas, dessa vez, fui invadida por uma tristeza oceânica que me fez dar uma olhada mais honesta em como ando olhando para minha própria vida emocional. Posso dizer que sou destemida em termos afetivos. Sou saudavelmente suicida frente aos meus anseios afetivos. Nunca gastei tempo pensando em como fazer uma relação durar eternamente. Simplesmente, tendo a me jogar de cabeça, viver o que se apresenta enquanto se apresenta e depois reconstituir os pedacinhos estraçalhados pela separação. Nunca entendi a capacidade que tive até aqui de me reerguer e começar tudo outra vez como se fosse a primeira vez. Parece que a maturidade exige compreensão e fui literalmente obrigada a parar e tentar enxergar, através de lágrimas abundantes, o que espero de um parceiro. Tive então um instante de lucidez com direito a faíscas de contentamento e orgulho. Percebi que nunca me comprometi com nenhuma relação. Intuitivamente sempre privilegiei o amor. E esse “modus operandi” certamente foi principal motivo da força e confiança inquebrantável do meu coração.
Percebi nitidamente que liberta das normas impostas pelo medo da perda, fui capaz de me agarrar firmemente à verdade e a transparência. Pude me mostrar com defeitos e qualidades e manter o foco naquilo que me nutria e fazia crescer. Evitei jogar no outro a responsabilidade de minha felicidade e pude ser grata às oportunidades de partilhar meus sentimentos com o espaço necessário para manter minha integridade.
Olhar para trás em termos de relacionamentos sempre foi fonte de alegria e surpresa. Alegria porque jamais fechei as portas para os espécimes masculinos que partilharam comigo momentos importantes. Todos são até hoje amigos queridos e relativamente presentes. No entanto, até aqui ainda me sentia confusa pelo medo que diziam sentir de mim. E quando falo medo, falo do tipo que faz correr... Agora, sinto que faz sentido. Acostumados como a maior parte dos seres humanos chamados normais com determinado tipo de regulamento tradicional, foram confrontados com algo que não cabia no folhetim. E que não pude controlar porque não percebia agir assim. Apenas reagia instintivamente a tudo que diminuía a qualidade do meu amor. E nisso se encaixam coisas do tipo sentir ciúmes. Há quem diga que ciúme faz parte do amor. Nunca fez para mim. E todas às vezes em que nublou minha serenidade interna, reagi. Sabia que era sinal de algo muito errado. Desconfiar mostra abalo no sentimento, falta de cumplicidade e sérios problemas de comunicação. No extremo oposto temos a exigência de partilhar até o mesmo ar. Sou claustrofóbica desde criancinha! Espaço é algo imprescindível, assim como mudar. Se tudo se renova constantemente como se pode esperar que justo o amor traga a exigência de permanência e simbiose doentia?
Se formos desenrolando esse novelo interminável de expectativas de qualquer relação seguramente ficará nítido o porquê da grande maioria ser um estrondoso fracasso.
Não há nada mais arriscado, exigente, frágil, intenso, verdadeiro e necessário do que o amor. E por isso não acontece e principalmente não sobrevive sem imenso comprometimento e consciência. Barganha, negociação, investimento em longo prazo, culpa, acomodações, manipulações, segurança, rotina e coisas do gênero simplesmente assassinam a possibilidade do amor. E de nada adianta justificar como cedemos ao regulamento. O amor não escuta, não negocia, apenas faz a mala e parte.
Eu não sei viver sem amor. Nunca soube. E o amor tem uma característica que precisa ser entendida com muita atenção. Só acontece e sobrevive se é tratado como convidado especial. Abrir mão de sua própria dignidade, integridade, convicção, verdade é tão fatal quanto escolher um parceiro doentio. Para amar precisamos manter a casa limpa e portas e janelas escancaradas. Precisamos ser amigos atentos de nosso coração, respeitar e preencher suas necessidades e acima de tudo ser capaz de corajosamente seguir seus mais estranhos conselhos. Não adianta tentar racionalizar.
O amor exige resposta aqui e agora. Imagine alguém enfiando uma faca no seu peito e você respondendo algo assim: - “Bem, estou sangrando profundamente, mas tenho que levar o Joãozinho no colégio, pegar roupas na lavanderia, preparar o almoço,etc... Mais, tarde procuro ajuda!” Isso é o que fazemos quando nos agarramos a relação. E certamente, termina com seu corpinho inerte no corredor do prédio!!!!
Para os que privilegiam o amor a vida não é fácil. Felizmente o amor sempre paga o dobro do preço que nos cobra. Então, apesar de nossos maiores temores e inseguranças, vale lembrar que toda a busca de sentido da vida, só encontra resposta quando somos capazes de abrir mão de tudo que nos torna menos capazes de vibrar amorosamente. Abra espaço, olhe ao redor, quebre limites, arrisque o novo, priorize seu ser e seja o que for que lhe aconteça, saiba que em toda situação existe uma semente que pode florescer como dose diária de amor. Saboreie cada gota e se torne anfitrião competente... O convidado virá... E a festa será inesquecível.
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