quinta-feira, 8 de julho de 2010

Momento de virada



No processo de auto conhecimento cada movimento tem uma importância determinada. Alguns nos fazem “deixar ir”, outros “resgatar”, uns nos “expandem”, outros “fortalecem”. Mas existem alguns preciosos momentos que nos atiram de forma certeira ao que considero ser o ponto da virada. Parece que caminhamos assustados, cambaleantes, desconfiados até chegar ao lugar em que somos confrontados, de forma veemente, com uma nova camada de consciência e a partir disso percebemos visceralmente que a mudança já é real. Acredito que seja como escalar uma montanha. Cada trecho percorrido deixa para trás o ponto de partida e amplia ou modifica nossa visão. Até que chegamos ao topo e temos de aceitar uma nova perspectiva. É um momento de reconhecimento de esforço, de prazerosa completude, de cansaço relaxado e de encantamento frente à grandiosidade que se espalha ao redor de nós. E surpreendentemente percebermos nossas limitações como criações pessoais. São horas que nos fazem perder o fôlego e geralmente despertam uma risada de alivio. Parece que nesses instantes de despertar nos tornamos capazes de abrir mão de coisas que até então julgávamos ser apêndices inseparáveis e incontestáveis de nossa realidade interior. Muitos dos rótulos que pensamos ser definições indispensáveis à nossa existência se desfazem sem deixar traço ou saudade. Respiramos amplamente, aturdidos com uma leveza até então desconhecida e passamos a engatinhar no entendimento verdadeiro do conceito de liberdade.
No meu processo de crescimento, posso destacar dois desses episódios. O primeiro veio com minha escolha pessoal de “receber sannyas”. Não pretendo fazer uma explicação profunda do que isso significa, mas parte desse processo diz respeito a usar um novo nome. Parece besteira, e talvez seja, mas posso dizer que me apresentar e ser chamada de forma diferente fez com que me desse espaço para explorar partes internas que nem poderia imaginar existissem. De alguma forma ser chamada por um nome que não me trazia de volta ao habitual, constantemente me fazia acordar para o processo de mudança e ser capaz de abrir mão de uma série de comportamentos que me foram incutidos e não desenvolvidos como reflexo da minha essência.
Felizmente, pouco tempo depois, tive a oportunidade de viver na Índia. Durante um bom tempo convivi com pessoas de todas as partes do mundo e que por isso se colocavam sempre de forma inédita e surpreendente. Assim surgiu o espaço para meu segundo e especialmente feliz momento de virada. Estar no meio do desconhecido, com pessoas totalmente estranhas aos meus condicionamentos, distante de família e amigos e qualquer outro rótulo da “minha vida normal”, criou o ambiente mais que favorável para me dar conta do quanto estava acostumada a agir como supunha era esperado de mim. Só que nesse caso, o esperado se mostrou deficiente, limitado e longe de trazer conexão e verdade. Dizem que a necessidade faz o sapo pular... Quanto ao sapo não posso dizer... Mas, teve esse efeito comigo. Pulei aterrorizada e incerta no desconhecido porque não tive outra opção. E caí dançando! Ser alguém com liberdade para mudar, crescer e se surpreender é algo que vale qualquer preço. Perceber que sou maior que todo e qualquer rótulo, relaxa e alegra. Estar em constante processo de transformação, certamente dá medo. É difícil não procurar pontos de apoio. No entanto, quando sentimos a brisa fresca da liberdade soprar cada pedaço do nosso corpo, o prazer que percorre a espinha, a confiança despertada, a gratidão pela vida, a explosão de amor que faz nosso coração disparar, todas juntas geram uma força impossível de explicar. É como se um grito selvagem inundado de energia nos expandisse até doer de êxtase. E desse espaço não há como voltar. Quando vivenciamos uma experiência dessas proporções, o comum e normal se tornam inaceitáveis. Visceralmente nos tornamos conscientes do quanto somos extraordinários. E isso não é algo que gere orgulho inútil. Ao contrário, o que se instala é um profundo respeito pelo individuo, qualquer indivíduo. E isso muda toda a visão da vida.

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