domingo, 12 de abril de 2009

O Novo!



“Por que as pessoas escrevem? Já me fiz tantas vezes esta pergunta que hoje posso respondê-la com a maior facilidade. Elas escrevem para criar um mundo no qual possam viver. Nunca consegui viver nos mundos que me foram oferecidos: o dos meus pais, o mundo da guerra, o da política. Tive de criar o meu, como se cria um determinado clima, um país, uma atmosfera onde eu pudesse respirar, dominar e me recriar a cada vez que a vida me destruísse.” Anais Nin

Sempre gostei de escrever para criar certa distância dos meus sentimentos. É como se as emoções perdessem um pouco do peso. Talvez, uma vez expressas abram espaço para o novo. Aliás, esse é o tema do texto. O novo! Refazer! Reconstruir! Renascer!
Tudo na natureza muda e cresce constantemente até que padece e morre. Nada permanece o mesmo. Só a morte traz o rompimento nesse movimento continuo.
Desde muito cedo percebi meu pavor pela total falta de controle da vida. Vivi no medo durante muito tempo e acho que foi o motivo pela qual resolvi trabalhar com pessoas. Entender os mecanismos, as respostas emocionais, as carências do ser humano, parecia o caminho mais eficiente para criar laços fortes que pudessem ser transformados em alicerces seguros na minha existência apavorada. Honestamente, acreditei que conhecer o outro seria a forma de me tornar insubstituível. Quanta pretensão!
Felizmente, muito esforço, estudo e genuíno empenho não foram traduzidos apenas num fracasso completo. Certamente, tive que encarar a tragédia que é entender que o outro será sempre fora de controle, impermanente e muitas vezes dolorosamente volúvel. Mas, como toda moeda tem dois lados, a busca pelo outro me levou ao mais inesperado destino: Eu mesma! Reconhecer a constante metamorfose alheia obrigou-me a procurar outras formas e modos de enfrentar o medo, a solidão e todos os outros desconfortos decorrentes.
Nasci sozinha, morrerei sozinha! Verdade inquestionável e cruel. Quanto tempo perdemos tentando desviar desse simples fato! E fazemos isso das mais variadas e criativas maneiras. Toda relação afetiva é contaminada por esse receio. Agarramos o outro esperando que nunca nos deixe ver essa solidão. E fazendo essa escolha abrimos mão de muitas experiências essenciais ao nosso crescimento.
O mais estranho é que só nos tornamos capazes de estar com o outro, quando aprendemos a estar sozinhos. E enquanto não tomamos coragem de olharmos para dentro em verdade, criamos relações fictícias que machucam, menosprezam e nos mantêm inertes.
Diz-se que a história se repete. Li outro dia que a história não se repete... Apenas o ser humano se mantém repetindo os mesmos erros. E pelo resultado aparente creio que essa é uma definição mais significativa.
Quando se fala de relações afetivas, o que se vê é uma fórmula ineficiente sendo repetida sem cessar. Não importa quantas sejam as pessoas que conheço, as reclamações são exatamente as mesmas. Parece que o tempo não trouxe maturidade. As gerações mantêm os erros como se fossem relíquia familiar.
Durante muito tempo briguei com isso e tentei obrigar as pessoas a tomarem coragem para fazer mudanças. Achei que poderia catalisar processos de libertação. Nem preciso dizer que essa foi outra lição amarga que a vida generosamente me ofereceu como fracasso retumbante. Ninguém muda ninguém. Quando afortunados nos inspiramos pelo exemplo alheio. Restou-me a árdua tarefa de aprender a lidar com o que considero ser um estado de infelicidade crônica que parece característica marcante na maioria das pessoas que conhece e amo. É um estado de anemia emocional, justificado por todos os tipos de conceitos sociais aceitáveis. Relações que mantém pessoas seguramente anestesiadas. Difícil compreender essa imobilidade em dias onde tudo acontece depressa e parece mudar sem cessar.
Que o novo assusta não tenho dúvida. Mas, a tristeza, a falta de cumplicidade, a solidão acompanhada, o desamparo, a falta de respeito e tantas outras, me parecem ainda mais assustadoras. Ainda assim, da mesma forma que valorizamos mais a sociedade que o individuo, damos mais importância à relação do que a felicidade. E fazemos coisas inexplicáveis para tentarmos justificar nossa escolha.
Quando falamos em traição, a imagem que se cria é a da terceira pessoa que vem destruir uma relação sagrada. Vilã ou vilão que aparece saído/a das trevas, sempre com as piores intenções, aprisionando em mentiras presa inocente. Ridículo! Quando se chega a isso, torna-se evidente o que aconteceu muito antes. Traição não é ceder à sedução alheia, é deixar que a paixão morra no dia a dia.
Quantos são os casais que sobrevivem numa rotina indiferente? Quantas são as pessoas que aceitam demonstrações continuas de descaso e desatenção? Quantas são os parceiros que reclamam sem cessar e permanecem culpando o outro sem tentar mudar a situação? A terceira pessoa apenas torna esse estado doentio em fato público. E é por isso que dói tanto. A traição nunca é do outro! A traição é abrir mão de nosso próprio valor e de nosso direito de ser feliz.
O que é o novo nisso tudo? É parar de usar o conhecido como desculpa para permanecer pequeno e só. É arriscar novas atitudes que resgatem a magia dos encontros. É a audácia em expressar o que se sente. É o acordar para a verdade de que nossa vida é curta demais para esperarmos que alguém nos faça feliz. É tomar coragem para aceitar que algumas coisas realmente precisam deixar de existir. É terminar relações que não funcionam mais e abrir espaço para as que podem acrescentar. Estar feliz é uma escolha e decisão individual. Partilhar essa felicidade é um presente que acontece quando estamos abertos, conectados e saudáveis.
Criar um mundo só seu é uma aventura profundamente dolorosa e encantadoramente mágica. E me parece a única real possibilidade para fazermos a vida ter algum sentido. Precisamos saber o que somos para poder partilhar com o outro. Respeitando nossas falhas e faltas, reconhecendo nossas carências, acalentando nossos talentos e dons, resguardando nosso crescimento, desenvolvemos a sensibilidade para enxergar o outro. E só então se torna possível permanecer alerta e apaixonado em qualquer relação e situação. Não importa o que se faz. O que diferencia é como se faz! O novo é aquilo que desperta nossa atenção, que dispara nosso coração, que nos faz vibrar e aquecer e principalmente aquilo que nos acorda para o momento e nos mantém realmente vivos!

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