quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Caridade



Tive um cachorro chamado Toby. Era da raça Lhasa apso e quem já passou pela experiência de possuir um, confirmará minha opinião que um Lhasa pode ser um dos cachorros mais irritantes do universo. No entanto é também um excelente exemplo para o tema desse texto.
Ter um animal de estimação é uma aventura que exige tempo, dedicação, cuidado e amor. No caso do Toby tive que acrescentar duas outras coisas: paciência e respeito. Sendo um cão que traz como história o fato de ter sido, durante muito tempo, considerado um presente para reis e lamas, parece ter mantido a memória dessa situação. No primeiro ano de vida, faz de tudo para testar as pessoas da casa em que vive, desde carinhos surpreendentes até as mais variadas travessuras, colocando a todos numa montanha russa de respostas emocionais. E embora seja de pequeno porte, se comporta de forma obstinada e corajosa. Completando esse período e finalmente tendo escolhido aquele que reconhece como seu dono, se transforma por completo.
Durante os cinco anos em que viveu, meu “amigo” Toby me ensinou muitas coisas, mas a mais importante de todas foi não permitir que o tratasse como um simples animal domesticado. Sei que muito já estão pensando que sou maluca, mas os que o fazem perdem a oportunidade de resgatar a capacidade de entender que a vida não é feita de superiores e inferiores. Animais e humanos são equivalentemente importantes no plano geral. E é exatamente sobre isso que ouso escrever.
Não sei de quem ou quando nasceu a idéia de que temos uma escala de importância no planeta. Mas, sei que essa idéia abriu as portas para uma das coisas mais cruéis inventadas pelo ser humano: a caridade!
Acreditamos que somos seres racionais, inteligentes, poderosos e que controlamos a vida. Já de saída, mostramos quão pretensiosos e cegos podemos ser. Estamos fazendo uma bagunça tão grande no sistema que nem sabemos se haverá sobra para nossos netos. E ainda assim, continuamos a nos comportar como se detivéssemos algum poder sobre isso. Essa idéia de superioridade nos faz perder o senso de realidade.
Exemplo: Meu cachorro não comia ração. Só frutas e raramente alguma carne. Todos os conhecidos “entendidos” sugeriam que o deixasse passar fome, até que para não morrer, algo se quebrasse e ele aceitasse minha vontade. Pois bem... Você deixaria sua mãe morrer de fome só porque decidiu que ela tinha que comer determinada coisa? Mas, mãe e cão são coisas diferentes. É verdade! Sua mãe acabaria comendo, mas meu teimoso cão morreria de fome. Sentiu a lição? Tive o prazer infernal de conviver com um animalzinho “inferior” que nunca abriu mão daquilo que queria, não importando o preço. E uma vez entendida essa característica inata e impossível de explicar, aprendi a respeitar e ganhei o melhor presente do mundo; amor incondicional.
Diga-me agora, das pessoas que você conhece quem seria capaz de lhe ensinar tão grande lição? Ser o que se é independentemente do preço!
Aonde entra a caridade nisso tudo? Ora, o que é caridade além da aceitação de que você não tem e que o que me sobra pode ser dado a você? Na caridade alguém está num lugar e outro está abaixo, alguém tem o que o outro não tem e acima de tudo coisas mudam de lugar, mas pessoas se mantém iguais. Aceitamos essa armadilha social porque somos gratificados com a sensação de sermos melhores e o que é pior, porque assim não temos que colocar nossas mãos na massa. É bem mais fácil dar um peixe do que ensinar a pescar.
Para quem está numa posição de doador, talvez não faça grande diferença. Mas, para quem precisa, essa atitude não é de auxílio, mas sim de quebra total do próprio espírito humano. O que deveria ser inaceitável, passa a ser natural. Não é á toa que se ouve dizer que mendigos preferem pedir esmolas do que trabalhar. Quando a essência humana não é desenvolvida, não é amparada ou nutrida, o potencial de crescimento individual apodrece e morre. E temos que conviver com as conseqüências desse assassinato moral.
Enquanto não percebermos que tudo é essencialmente do mesmo tamanho e importância, aceitaremos as diferenças, os desrespeitos, as desilusões, e teremos que lidar com todo o desequilíbrio que estamos sendo obrigados a encarar cada vez mais brutalmente.
Seja um animal, seja um grão de areia, seja lá o que for tudo é por alguma razão muito mais precioso do que podemos ver. Mas, garanto uma coisa: se arriscarmos olhar além dos conceitos conhecidos, se ousarmos tratar tudo ao redor respeitosamente, se nos abrirmos para examinar a grandiosidade do milagre da vida e se nos comportarmos comprometidos com o que realmente acontece em nossos corações, rapidamente compreenderemos que não há lugar para caridade no mundo e que o remédio se encontra na fácil receita de dar apoio para que todos e cada um alcancem seus florescimentos. O retorno será no mínimo a satisfação pessoal de descobrir o melhor que existe em si próprio e o pagamento nada menos que a alegria de vislumbrar a mágica do amor incondicional.

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